A r t i g o 

Capacidade Intrínseca:
uma nova visão para compreender o envelhecimento

No compasso da rapidez com que as pessoas estão envelhecendo, e esse é um fenômeno presente no mundo inteiro, há que se buscar a melhor maneira de viver esse processo, seja no âmbito individual, seja no contexto de toda uma sociedade. A ciência tem contribuído muito na compreensão do que é envelhecer, mas muitas perguntas ainda não têm resposta. Em que medida esse processo predispõe ao adoecimento? E, o mais importante, quais são os determinantes de um envelhecimento saudável?  ​​​​​​​
A nova edição da Classificação Internacional de Doenças - CID 11, elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), propôs incluir o termo “velhice” como um código e isso provocou muitas discussões entre as diversas sociedades ao redor do mundo, se opondo ao fato de que velhice não podia ser compreendida com uma doença. Foi vitoriosa toda a movimentação da comunidade científica e passou a constar ”declínio da capacidade intrínseca relacionado ao envelhecimento” em substituição ao termo “velhice”. Mas o que é Capacidade Intrínseca? Do que se trata?
O conceito de Capacidade Intrínseca (CI) foi proposto em 2015, num relatório publicado pela OMS que passou a ser discutido e estudado no intuito de delinear e compreender o que determina o envelhecimento saudável. A OMS conceitua CI como o resultado da soma e da interação das capacidades físicas e mentais do indivíduo e suas interações com os fatores ambientais relevantes. Desde a publicação em 2015, a cada ano o conceito se aprimora e, em 2017, cinco domínios-chave foram elencados como essenciais para o sucesso do envelhecimento: locomoção, vitalidade (energia e equilíbrio), cognitivo, psicológico e sensorial (visão e audição)
Sabemos que envelhecer é uma resultante de muitos fatores, não só biológicos, mas principalmente socioambientais, incluindo condições econômicas e educacionais. Já é bem estabelecido que a avaliação de saúde de uma pessoa idosa não se baseia nas doenças das quais ela é portadora, mas sim na possibilidade de viver realizando as atividades cotidianas da maneira como deseja e sendo o mais independente possível. A ciência já domina como mensurar a independência e a autonomia, dois pilares de saúde no envelhecimento, através de instrumentos de avaliação e isso se denomina Capacidade Funcional (CF). Na Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), atividades básicas e mais complexas (ou instrumentais) podem ser avaliadas, servindo de guia de tomadas de decisões diagnósticas e terapêuticas, no intuito de preservar ou resgatar a Capacidade Funcional. 
Mas qual seria a relação entre Capacidade Intrínseca e Capacidade Funcional?  De acordo com a OMS, a CI e a CF são dois dos três componentes essenciais do envelhecimento saudável, junto com os aspectos ambientais (onde e como o indivíduo vive). Mas pode-se afirmar que a Capacidade Intrínseca é um dos principais determinantes e que antecede a Capacidade Funcional. Trata-se da raiz e da essência individuais, de onde provavelmente vem o maior potencial para um envelhecimento saudável. 
Identificar e mensurar o declínio da Capacidade Intrínseca associado ao envelhecimento deve ser o mote e a mola de impulsão para as melhores atitudes frente a uma pessoa idosa e deve visar o envelhecimento em seu processo, o melhor possível.


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A r t i g o   
A evolução de conceitos em geriatria e gerontologia

O envelhecimento é um processo complexo; e tão complexo também é cuidar de uma pessoa idosa enquanto profissional de saúde. A percepção de bem-estar é o que deve ser buscado, independentemente da idade, da presença ou ausência de doenças.
Acontece que essa percepção está muito diretamente ligada às habilidades e capacidades em realizar tudo aquilo que interessa à pessoa e corresponde ao que ela valoriza para si e para sua vida. Apesar da individualidade peculiar na abordagem aos pacientes idosos, há aspectos relacionados à saúde que são percebidos por todos como essenciais e que devem ser preservados ou resgatados, caso tenham sido perdidos ou estejam na eminência de serem perdidos. Por exemplo, as questões relacionadas à saúde mental, à mobilidade, aos cuidados com medicamentos e com as doenças que comumente estão presentes nessa fase da vida. Pode-se dizer que esses são os pilares que sustentam a saúde de uma pessoa idosa.
Baseando-se nessa rede complexa de muitas variáveis, a Dra. Mary Tinetti, uma geriatra americana, durante um congresso no Canadá em 2017, propôs pela primeira vez os 5Ms da geriatria. Era uma espécie de constructo na intenção de explicar como a geriatria se diferencia de outras especialidades, uma vez que o modelo de doença e de saúde são sabidamente diversos à medida que o indivíduo envelhece. Os quadros sindrômicos diferentes, a interrelação que estabelecem entre si e as estratégias de manejo são definitivamente peculiares e merecem ser vistos de outros ângulos.
Pois bem, os 5 Ms retratam 5 eixos sobre os quais as intervenções podem ser mais bem pensadas e executadas, incluindo a percepção de que deve ser imprescindível o trabalho de interdisciplinaridade com outras áreas, representadas por profissionais que se dedicam à gerontologia e desenvolvem expertises no cuidado com a pessoa idosa. Fisioterapia, enfermagem, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia são exemplos dentre as várias disciplinas que podem se especializar em envelhecimento.
Os 5 Ms são conhecidos como: Mente, Mobilidade, Medicamento, Multicomplexidade e Mais importante, esse último a tradução de what matters most, ou o que mais importa. Quando a Dra. Mary Tinetti os propôs, eles foram diagramados como os dedos de uma mão, o que nos remete a trabalho, solidariedade e cuidado. 
Mente se refere à capacidade cognitiva, ao humor e à promoção da saúde mental. Considera a investigação e manejo de problemas prevalentes, como as demências, delirium, depressão e ansiedade. 
Mobilidade contempla todas as varáveis envolvidas com a força muscular, a marcha e o equilíbrio. Esse é um domínio fundamental para a capacidade funcional e a possibilidade de se manter independente para tarefas da vida diária. Tudo o que pode interferir na mobilidade deve ser buscado ativamente na história, no exame físico e em exames complementares, a exemplo da condição nutricional, do uso de medicamentos e de doenças que possam afetar o sistema osteoarticular. Nesse quesito, as quedas merecem muita atenção e por tantas consequências ruins que elas podem trazer. E a principal delas é justamente fazer piorar a mobilidade, deixando o indivíduo mais suscetível a outras quedas.
Medicamento são um capítulo mais que importante quando o assunto é saúde no envelhecimento. As modificações ocorridas no organismo de um idoso o torna mais vulnerável a efeitos colaterais, além de mais interações e, com muita frequência, os medicamentos são a causa de algum problema novo que tenha surgido, levando a outros tratamentos superpostos e internamentos hospitalares. A chance de usar remédios de forma contínua ou mesmo intermitente, aumenta muito devido à prevalência elevada de doenças crônicas. E, com o avanço da ciência, mais recursos terapêuticos farmacológicos têm sido somados aos tratamentos das doenças, de uma forma geral, elevando em quantidade os medicamentos a serem usados pelos pacientes.  
Multicomplexidade, com o termo já diz, se refere a uma gama de aspectos que devem ser levados em conta na avaliação do paciente idoso. Questões relacionadas aos cenários e níveis de assistência (hospital, domicílio, clínicas de transição, ambulatório), a apresentação atípica das doenças, as alterações fisiológicas relacionada ao envelhecimento, a síndrome da fragilidade, déficits sensoriais e tudo o mais que de uma forma ou de outra incide na condição de saúde do idoso. Questões prognósticas também devem ser contempladas para guiar a tomada de decisões e o uso dos recursos que são disponíveis no sistema de saúde como um todo.
Mais importante é tudo aquilo que deve ser priorizado dentro de uma hierarquização dos problemas, e isso sempre deve ser feito em geriatria e gerontologia. O que mais importa sempre será o que compromete ou poderá vir a comprometer a capacidade funcional do paciente e esse deverá ser o maior dos papéis do profissional de saúde que cuida de um idoso: evitar a perda e/ou resgatar aquilo que foi perdido em termos de capacidade no dia a dia. Dentre desse rol de itens tidos como mais importantes, estão também as necessidades sociais e espirituais, o alívio do sofrimento sempre; e o respeito aos valores e às prioridades do próprio paciente. Dentro dessa temática, as diretivas antecipadas de vontade e o que o paciente deseja para si, caso perca a capacidade de decidir, devem ser contempladas e aplicadas se vier a ser necessário.  
Os 5 Ms vêm ganhando espaço nos serviços assistenciais e nos centros acadêmicos, tornando-se a base das matrizes de competências para o ensino de geriatria aos estudantes de medicina nos EUA, de acordo com a recomendação da American Geriatrics Society.  Parece mesmo ser forma mais eficaz de comunicar o diferencial do cuidado da medicina geriátrica que, junto com a gerontologia, é especialista em complexidade. Eles ajudam a organizar os diversos problemas e a estabelecer metas de cuidado de forma individualizada e, com certeza mais adequadas e assertivas. 

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